sábado, 1 de novembro de 2008

último post sobre o caso making off

prometo que esse é o último post sobre o caso. e agradeço ao joão paulo por ter postado isso aqui nos comentários.

“Que aspecto oferece a vida desse homem multitudinário, que com progressiva abundância vai engendrando o século XIX? Desde já, um aspecto de omnimoda facilidade material. Nunca pode o homem médio resolver com tanta folga seu problema econômico. Enquanto em proporção diminuíam as grandes fortunas e se tornava mais dura a existência do operário industrial, o homem médio de qualquer classe social encontrava cada dia mais franco seu horizonte econômico. Cada dia ajuntava um novo luxo ao repertório de seu standard vital. Cada dia sua posição era mais segura e mais independente do arbítrio alheio. O que antes se houvera considerado comum benefício da sorte que inspirava humilde gratidão ao destino, converteu-se num direito que não se agradece, mas que se exige.

“(...)Porque, com efeito, o homem vulgar, ao encontrar-se com esse mundo técnica e socialmente tão perfeito, crê que o produziu a natureza, e não pensa nunca nos esforços geniais de indivíduos excelentes que supõe sua criação. Menos ainda admitirá a idéia de que todas estas facilidades continuam apoiando-se em certas difíceis virtudes dos homens, dos quais o menor malogro volatilizaria rapidissimamente a magnífica construção.

”Isto nos leva a apontar no diagrama psicológico do homem-massa atual dois primeiros traços: a livre expansão de seus desejos vitais, portanto, de sua pessoa, e a radical ingratidão a tudo quanto tornou possível a facilidade de sua existência. Um e outro traço compõem a conhecida psicologia da criança mimada. E, com efeito, não erraria quem utilizasse esta como uma quadrícula para olhar através dela a alma das massas atuais. Herdeiro de um passado extensíssimo e genial - genial de inspirações e de esforços -, o novo vulgo tem sido mimado pelo mundo circunstante. Mimar é não limitar os desejos, dar a impressão a um ser de que tudo lhe está permitido e a nada está obrigado. A criatura submetida a este regime não tem a experiência de suas próprias limitações. À força de evitar-lhe toda pressão em redor, todo choque com outros seres, chega a crer efetivamente que só ele existe, e se acostuma a não contar com os demais, sobretudo a não contar com ninguém como superior a ele. Esta sensação da superioridade alheia só podia ser-lhe proporcionada por quem, mais forte que ele, lhe houvesse obrigado a renunciar a um desejo, a reduzir-se, a conter-se. Assim teria aprendido esta essencial disciplina: "Aí termino eu e começa outro que pode mais do que eu. No mundo, pelo visto, há dois: eu e outro superior a mim". Ao homem médio de outras épocas ensinava-lhe quotidianamente seu mundo esta elemental sabedoria, porque era um mundo tão toscamente organizado, que as catástrofes eram freqüentes e não havia nele nada seguro, abundante nem estável. Mas as novas massas encontram uma paisagem cheia de possibilidades e além disso segura, e tudo isso presto, a sua disposição, sem depender de seu prévio esforço, como achamos o sol no alto sem que nós o tenhamos subido ao ombro. Nenhum ser humano agradece a outro o ar que respira, porque o ar não foi fabricado por ninguém: pertence ao conjunto do que "está aí", do que dizemos "é natural", porque não falta. Estas massas mimadas são suficientemente pouco inteligentes para crer que essa organização material e social, posta a sua disposição como o ar, é de sua própria origem, já que tampouco falha, ao que parece, e é quase tão perfeita como a natural.”

Ortega y Gasset , A rebelião das massas, primeira parte, capítulo sexto.

3 comentários:

Anônimo disse...

Caro Matheus,

Achei a citação fora de lugar, beirando a arrogância. Preferiria que você respondesse aos comentários diretamente, assim como o João Paulo poderia ter feito. Esse trecho de Ortega é muito bom, mas acaba ficando gratuito e bobo se entendermos como uma provocação aos que foram excluídos do Making Off.

Como os próprios administradores afirmaram, as exclusões não foram punitivas, e nem resultaram da "ingratidão" de alguém. Uma pessoa poderia participar, recebendo e enviando os filmes, via torrent, mesmo sem postar ou discutir no fórum. Equiparar essas pessoas com o homem-massa de Ortega é um equívoco.

O homem-massa não é simplesmente aquele que não participa da condução da coletividade. Esse é o homem comum. O que há de errado em ser liderado? Já o homem-massa é aquele que dificulta a vida dos que querem conduzir. É aquele que não aceita a liderança dos outros, e quer ser líder, mesmo sem ter competência para tal.

Logo, não me parece que seria correto postar esse trecho como um comentário geral sobre o assunto. Especialmente aqui, no seu blog, onde não vi comentários de pessoas que querem desmerecer os administradores do site. Ainda que existam comentários assim, no orkut, de pessoas irritadas e que não percebem bem o contexto, há outras pessoas, como eu e outros comentadores aqui do blog, que simplesmente querem pleitear uma vaga no site. Querem ser pessoas comuns, sem desrespeitar as lideranças.

Lendo bem Ortega, você verá que os líderes também se tornam medíocres com a massificação, e deixam de cumprir o seu papel, perdendo o bom senso e a exemplaridade. Não seria isso que a citação do Ortega, aqui no seu blog, faz parecer? Uma pena...

João Teixeira disse...

Olá, Rodrigo. Sou o João Paulo citado e que citou. Você tem razão no que coloca. Lembrei-me dessa passagem quando conversava com Matheus pelo msn sobre o caso. Sou amigo dele, não participo do site. Referíamos, claro, apenas àquelas pessoas que tiveram uma atitude agressiva. Fiquei lendo algumas das acusações que foram feitas pelo Orkut; lembro de uma em que a pessoa começava por dizer que o grande número de pessoas deveria ser a solução, não o problema, e acaba por xingar os administradores do site, mandando-os tomar naquele lugar, achando-se muito rebeldizinho e tal. Ou seja, a pessoa não tem nenhuma noção de informática, não aponta nenhuma solução, nenhum caminho para que o grande número de pessoas seja “solução” e não “problema” e ainda assim crê-se no direito de poder exigir e xingar a todos. O típico homem-massa.

É claro que tal passagem não se refere às pessoas normais que estão pedindo um convite educadamente. Até porque, é claro, ninguém aqui está dizendo que os administradores do site são a elite e seus seguidores a plebe (o Matheus nem é um dos membros fundantes do site, mas antes um agitador, sei lá, não entendi direito). É óbvio que ser participante ativo do site não quer dizer nada para além de ser participante ativo do tal site. Mas vá dizer isso para aqueles que xingam e exigem o convite. Eles acham que tais participantes são seus empregados, seus subordinados, devem todos trabalhar para que ele, na absoluta folga (lembro de outro que dizia: “Quanta burocracia! Eu só quero assistir meus filmes, p*!”), possa aproveitar os bens oferecidos por eles. Na verdade eles não percebem trabalho algum. Acham que é tudo dado.

Espero ter esclarecido a questão. Abraços.

Anônimo disse...

Olá, João

Obrigado pelo esclarecimento. O Matheus há pouco me enviou um e-mail no mesmo sentido. Creio que, nessa perspectiva que vocês apresentam, a lembrança do Ortega acaba sendo pertinente. Não seria possível generalizar. Mas, não sendo esse o caso, é possível ressaltar atitudes lamentáveis como as que você descreveu.

O curioso é que o Ortega escreveu sobre o tema "homem-massa" acompanhando os movimentos da primeira metade do século XX. Mas certas coisas não mudam. O conceito muitas vezes encontra ressonância no comportamento comum das pessoas, ainda hoje.

Na verdade, mesmo se eu discordasse completamente de vocês, já ficaria feliz por ter encontrando um leitor de Ortega, que considero um filósofo menos valorizado do que deveria, no Brasil, em face das suas teses tão interessantes.

Um abraço,
Rodrigo.