sexta-feira, 4 de novembro de 2011

drops literário #18

Durante todo o dia de trabalho, em intervalos, minha mente ia a um lugar vazio, dizendo: “O que se perdeu? O que terminou?”. E murmurei: “Acabou, acabou”, consolando-me com palavras. As pessoas notaram o vazio de meu rosto, e a falta de objetivo de minha conversa. As últimas palavras da minha frase sumiam. E quando abotoei meu casaco para ir para casa, disse mais drasticamente: “Perdi minha juventude”.

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- Mas agora, neste aposento em que entro sem bater, as coisas são ditas como se tivessem sido escritas. Vou até a prateleira. Se escolho, leio meia página de qualquer coisa. Não preciso falar. Mas escuto. Estou maravilhosamente alerta. Muitas vezes a página está decomposta e manchada de lama, rasgada e grudada por folhas fanadas, fragmentos de verbena ou gerânio. Para esse poema é preciso ter miríades de olhos, como um daqueles faróis que giram sobre as águas agitadas do Atlântico à meia-noite, quando talvez somente uma réstia de algas marinhas fende a superfície, ou subitamente as ondas se escancaram e delas emerge algum monstro. É preciso pôr de lado antipatias e ciúmes, e não interromper. É preciso ter paciência e infinito cuidado e deixar que também se desdobre o tênue som, seja o das delicadas patas de uma aranha sobre uma folha, seja o da risadinha das águas em alguma insignificante torneira. Nada deve ser rejeitado por medo ou horror. O poeta que escreveu essa página (que leio em meio a pessoas falando) desviou-se. Não há vírgula nem ponto e vírgula. Os versos não seguem a extensão adequada. Muita coisa é puro contrassenso. É preciso ser cético, mas lançar ao vento a prudência e, quando a porta se abrir, aceitar resolutamente. Também, por vezes, chorar; também cortar fora implacavelmente com um talho de lâmina a fuligem, a casca e duras excreções de toda sorte. E assim (enquanto falam) baixar nossa rede mais e mais fundo, e mergulhá-la docemente e trazer à superfície o que ele disse e o que ela disse, e fazer poesia.


(WOOLF, Virgínia As ondas. Tradução Lya Luft, Osasco: Novo Século Editora, 2011)

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