sexta-feira, 26 de novembro de 2010

para um céu de baunilha...

lembra quando você descobriu um mundo novo, quando finalmente percebeu que havia um céu de baunilha e cantou assim aquela melodia que nem se lembra mais?

"é de rachar o peito
e fundir a cuca.
É de tardes de sol,
de cortinas abertas,
de todos carnavais."

lembra? e então você recebe um convite para um mundo que não conhecia, mas do qual sempre quis participar. e, de fato, participava ainda que de longe. porque, no final das contas, era um mundo paralelo, quase um reflexo do seu. e é incrível como a algaravia de lá se parece com a tua. por isso mesmo, a simpatia - que nunca lhe coube no peito - explode de vez. e dá-lhe vontade d[aquele] abr.aço, dá-lhe vontade de tomar pela mão e dizer "olha, vai ficar tudo bem". e dizer, como em outras vezes, que viver...

"é gravidade gris
de brevidade lis
de onde se escapa,
por onde se sai sempre
sempre por um triz."

e (l)cá está o mesmo céu de baunilha. acalma-te porque o amor é isso aí mesmo que drummond nos ensinou. não haveria graça, a vida. não haveria sangue, o corpo. nem haveria gravidade, o silêncio. e tu vasculhas tuas urnas a fim de ressuscitar a palavra, e conferir-lhe sentido que é o de ser ouvida. a palavra que conforta, embora não se saiba se é conforto ou confusão o que falta a esse doce firmamento. tenta explicar com candura...

"é que adversidades podem vir
a qualquer altura da vida.

[a vida]
essa maior adversidade"

é adversa. e a etimologia de botequim nos ensina que é ao verso que se deve recorrer. é dele que se lança mão quando não se entende patavinas do que se passa com o mundo. e ele lá tem solução? tem. e há de procurar pela solução a vida inteira, sísifo. e há de esbarrar nas palavras - alquimista que é - queimando os dedos e encharcando os olhos. mas veja bem,

"não deixes à tua pena
a obrigação do discurso
esse ofício é do teu corpo
e sabes bem onde encontrá-lo."

sabe o teu corpo? é nele que está toda sua história. pode perscrutar cada milímetro. vá além das óbvias linhas das mãos e verás teu passado, teu presente e teu futuro. é que são tantas as cicatrizes que se ganha ao longo da vida. e as que doem mais são aquelas que não se vê, não se sabe o refúgio, mas cuja existência não lhe deixam duvidar. e quando voltar-se ao teu próprio corpo, encontrará em cada resposta outras tantas dúvidas. mas não se preocupe,

"carece água,
carece sangue,
carece suor,

e quando vai ver,
nunca que acaba,
a vida."

mas a distância impede o afago e o carinho. porque é mentira essa estória de que o carinho rompe fronteiras. não há "eu te amo" que substitua silencioso abraço! não há! e o que se pode fazer? gritar! ainda que o grito também não rompa fronteiras. o jeito é pedir licença à urgência e ser paciente...

"reza
alguém aqui terá que te ouvir
canta
no meio da festa alguém vai desdobrar

mas se for chover
chova..."

ao final, já não sei medir o tamanho da minha impertinência. e queria poder dizer muito mais, com [aquele] abr.aço que tão bem resume o carinho que eu tenho por esse céu. esse céu que sinto um pouquinho meu. e se me sinto meio intruso nesse turbilhão todo, façamos o seguinte: estamos quites. porque foi assim, intrusa, que você me cativou. fica bem.

3 comentários:

garoto roto disse...

a vida, não se preocupe, é bem simples. tem quatro letras só, de som agradável no conjunto. mas qual seu sentido? sabe-se lá, é fruto proibido, que nao se deve buscar. coitados dos infelizes que se deliciam nessa fruta, lambendo os lábios à procura das sementes. se encontram hora ou outra um caroço, e cospem-no, vez ou outra vira um jardim (como tantos que vc já plantou, e tantos já plantaram). Mas quem prova aquele fruto, aquele sentido - engraçado - não se satisfaz com jardinagem. e depois da emoção, da certeza, da dúvida, da criação e da morte pelas palavras, querem gesto puro, o silêncio certo, a emanação contínua, opaca da plenitude.
vez por outra alguém encontra e mostra o caminho, se torna imortal (como de fato é todo aquele que nos faz sentir, mesmo quando anos após defunto, o saber que a vida tem).
a imortalidade, as vezes, parece que te espera - se não perante todos, perante a mim, é certo.

J. disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
I. disse...

"Segurar passarinho na concha meio fechada da mão é terrível, é como se tivesse os instantes trêmulos na mão. O passarinho espavorido esbate desordenadamente milhares de asas e de repente se tem na mão semicerrada as asas finas debatendo-se e de repente se torna intolerável e abre-se depressa a mão para libertar a presa leve. Ou se entrega-o depressa ao dono para que ele lhe dê a maior liberdade relativa da gaiola. Pássaros - eu os quero nas árvores ou voando longe de minhas mãos. Talvez certo dia venha a ficar íntima deles e a gozar-lhes a levíssima presença de instante. "Gozar-lhes a levíssima presença" dá-me a sensação de ter escrito frase completa por dizer exatamente o que é: a levitação dos pássaros."

~C.L.