olha, querido, eu conheço bem o fardo que te faço carregar diariamente. e, ainda que clame 'injustiça!', sei da força que tens. força hereditária. lembra da ancestral lata de fato que os teus antepassados traziam à cabeça, lembra? ela pesava o que não se aguenta e a calvície que ficou é a memória do corpo, é a memória no corpo.
eu conheço bem esse fardo, já disse. mas sei que você dá conta. porque há teimosia em você. teimosia herdada de meu pai - teu avô - que, durante anos, laborou nesse lugar que agora é teu. teus filhos, meus netos - sim! filhos - tomarão, talvez, o teu lugar. mas, agora, a lavoura é tua, filho. é tua...
os joelhos dobrarão no início. inúmeras vezes, ouvirá a tentação insistente. mas não dê ouvidos. lembre-se do avô que nunca conheceu, mas cujas rugas e estórias conhece de cor.
e podem ser estreitos os intervalos por onde você há de passar. não tema, meu filho. adéqua teu corpo à condição física do espaço, faz dele o álveo por onde desaguar-se-ão tuas delícias e teus pecados. e no escoamento dos dias, segue junto, mas sem medo. escoa, filho! na repetição e na insistência o leito de teu rio ganhará consistência. com maestria, incorporará, à tua natureza, as pedras que estiverem pelo caminho. há de ser mar, criança minha... tu também há de ser mar. porque esse é um bem de família, o marear...
Um comentário:
morri
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