se ela deixasse de lado os eufemismos e cantasse com sua verdadeira voz, arrebataria os corações da sala a sua espera. mas insistia no silêncio, como se aqueles olhos verdes fossem suficientes. eram. mas não o bastante para encerrar as expectativas. sua voz era o grand finale para aquela situação toda, esperada durante semanas e semanas. todos impacientavam-se para ouvi-la. ela, visivelmente cansada, insistia no silêncio.
nunca, em toda história do teatro estadual, soube-se de um atraso daqueles; ultrapassava as cinco horas. e ela lá, sentada, mirando as paredes vazias de espelhos. alheia ao tempo, ao público, aos sons. se ao menos tivesse casado - ah! os filhos que sempre quis ter - e cultivado família, estaria terminando as louças do jantar. o marido, impaciente, estaria na cama esperando. [a espera alheia, sempre ela] com um sorriso no rosto, ele maldiria a demora, alegando a obrigatória labuta da manhã seguinte ou a urgência do amor. e ela com as louças intermináveis...
não casou. os filhos imaginários, todos natimortos. o marido nunca teve rosto.
foi então que pôs-se de pé, retocou o batom vermelho e irrompeu pelos labirínticos corredores que levavam às coxias. sem anúncio prévio, tomou o palco de assalto e cantou sem esperar a orquestra ou a iluminação. e ela cantou como nunca cantara antes. cantou para uma platéia completamente atônita e vazia.
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