Enquanto escrever e falar vou ter que fingir que alguém está segurando a minha mão.
Oh, pelo menos no começo, só no começo. Logo que puder dispensá-la, irei sozinha. Por enquanto preciso segurar esta tua mão - mesmo que não consiga inventar teu rosto, e teus olhos e tua boca. Mas embora decepada, esta mão não me assusta. A invenção dela vem de tal idéia de amor como se a mão estivesse realmente ligada a um corpo que, se não vejo, é por incapacidade de amar mais.
(...)
É que um mundo todo vivo tem a força de um Inferno.
(...)
Essa imagem de mim entre aspas me satisfazia, e não apenas superficialmente. Eu era a imagem do que eu não era, e essa imagem do não-ser me cumulava toda: um dos modos mais fortes é ser negativamente. Como eu não sabia o que era, então "não ser" era a minha maior aproximação da verdade: pelo menos eu tinho o lado avesso: eu pelo menos tinha o "não", tinha o meu oposto. O meu bem eu não sabia qual era, então vivia com algum "pré-fervor" o que era o meu "mal".
(...)
Esse ela, G.H. no couro das valises, era eu; sou eu - ainda? Não. Desde já calculo que aquilo que de mais duro minha terá de enfrentar, será o julgamento de mim mesma: terei toda a aparência de quem falhou, e só eu saberei se foi a falha necessária.
(LISPECTOR, Clarice A paixão segundo G.H., Rio de Janeiro: José Olympio, 1974)
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